Joaquim Luiz Nogueira
Artigo 1 - pertencente a uma série de estudos sobre a construção do indivíduo pelo símbolo, realizado pelo autor, numa busca de compreensão sobre o objeto em questão, no caso, o ser humano.
Representação
de Algo Desejado: Jogo da Ficção
Em
uma ação racional do indivíduo, o mesmo, procura resolver os problemas reais
adaptando-se ao contexto externo que o rodeia, porém, a imaginação lhe
acrescenta novos elementos, cujo efeito simbólico é capaz de submeter à
realidade no sentido de satisfazer o sujeito, espécie de jogo que não possui
norma ou limite para sua inventividade. A pessoa assimila aquilo que melhor lhe
encanta, e isto, passa a orientá-la.
“Para orientar-se no
sentido da assimilação como tal: em vez do pensamento objetivo, que procura
submeter-se às exigências da realidade exterior, o jogo da imaginação
constitui, com efeito, uma transposição simbólica que sujeita as coisas à
atividade do indivíduo, sem regras nem limitações. Logo, é assimilação quase
pura, quer dizer, pensamento orientado pela preocupação dominante da satisfação
individual” (PIAGET, 2015,
p.100).
De
acordo com Piaget, o indivíduo em sua fase infantil de socialização, adota
algumas normas, sua imaginação passa a simbolizar os diversos elementos presentes
em sua realidade, ou seja, para cada fato o sujeito é direcionado rumo a uma
conduta coletiva ou certa representação desejada pelo sujeito, frente aquele
momento.
“Com a socialização da
criança, o jogo adota regras ou adapta cada vez mais a imaginação simbólica aos
dados da realidade, sob a forma de construções ainda espontâneas, mas imitando
o real: sob essas duas formas, o símbolo de assimilação individual cede assim o
passo, quer à regra coletiva, quer ao símbolo representativo ou objetivo, quer
aos dois reunidos” (PIAGET, 2015,
p.100).
O
procedimento que o indivíduo adota é semelhante àquele utilizado numa
brincadeira, tendo como princípio, a capacidade de lograr a realidade, ao
sujeitá-la a outras opções substitutivas. “Mas reconhecemos que, funcionalmente,
a assimilação lúdica (...) é o ponto de partida do símbolo” (PIAGET, 2015,
p.115).
O
indivíduo associa cada suposta realidade a esquemas ficcionais, ideais ou
situações desejadas, sendo que, nenhuma delas possui vinculação direta com o
sujeito, porém são evocadas por intermédio de imitações, ou seja, os objetos
ausentes participam por incorporações significativas.
“No símbolo lúdico, pelo
contrário, o objeto atual é assimilado a um esquema anterior sem relação
objetiva com ele, e é para evocar esse esquema anterior e os objetos ausentes
que com ele se relacionam que a imitação intervém a título de gesto
“significante”. Em suma, no símbolo lúdico, a imitação não diz respeito ao
objeto presente e sim ao objeto ausente, que se faz mister evocar” (PIAGET, 2015, p.118).
A
representação pode simbolizar para uma criança um determinado objeto que está
ausente. Diante de uma dada realidade, ela deseja algo impossível como tal se
realiza mediante a reprodução de algo semelhante, isto é, se deleita com uma
ficção. Deste modo, o indivíduo representa aquilo que está em outro plano,
externo a ele, porém, essa personificação se incorpora no sujeito por
intermédio da imaginação, algo ilusório ou simbólico que lhe satisfaz na
ausência do objeto real.
“O símbolo implica a
representação de um objeto ausente, visto ser comparação entre um elemento dado
e um elemento imaginado, e uma representação fictícia (...). Por exemplo, a
criança que desloca uma caixa imaginando ser um automóvel representa,
simbolicamente este último pela primeira e satisfaz-se com uma ficção” (PIAGET, 2015, p.127).
A
fantasia ao simbolizar um desejo do indivíduo, aciona mecanismos capazes de
mobilizar realizações difíceis ou problemáticas. Ela contém o princípio da
brincadeira, que desencadeia movimentos no sujeito, e esses, amplificam se constituindo
em novos elementos e ou outras realidades.
“A maioria dos jogos
simbólicos, salvo as construções de pura imaginação, ativa os movimentos e atos
complexos. Eles são, pois, simultaneamente sensórios-motores e simbólicos, mas chamamos-lhes
simbólicos na medida em que ao simbolismo se integram os demais elementos” (PIAGET, 2015, p.128).
O
indivíduo condiciona a realidade para buscar a concretização de seus desejos a
partir da invenção de contrapesos, ou seja, algo que possa equilibrar o
antagonismo defrontado diante dele. Com este tipo de ação o sujeito expande
aquilo que considera como conquista pessoal.
“Além disso, as suas
funções afastam-se cada vez mais do simples exercício: a compensação, a
realização dos desejos, a liquidação dos conflitos etc. somam-se
incessantemente ao simples prazer de sujeitar à realidade, a qual prolonga, por
si só, o prazer de ser causa inerente ao exercício sensório motor” (PIAGET, 2015, p.128).
Este
comportamento que gera equilíbrio ao ser humano, se desperta pela simulação
daquilo que ele deseja, pois, “o simbolismo principia com as condutas
individuais que possibilitam a interiorização da imitação” (PIAGET, 2015,
p.128).
Quando
vários indivíduos decidem imitar os mesmos objetos ou outras condutas pessoais,
criam símbolos coletivos. Com este tipo de atitude, o sujeito passa a ter um
papel a cumprir, já que todos devem agir de forma semelhante, neste caso,
surgem às normas. “A regra é uma
regularidade imposta pelo grupo, e de tal sorte que a sua violação representa
uma falta” (PIAGET, 2015, 128).
Diante
de uma dada realidade negativa ou desagradável, a maneira encontrada pela
pessoa para suportar determinada situação é oferecida a ele pelo símbolo, isto
é, por algo que está ausente. “O símbolo lhe fornece os meios de assimilar o
real aos seus desejos ou aos seus interesses” (PIAGET, 2015, p.136). Esta
construção simbólica se dá por meio de objetos e gestos imitativos do que o
sujeito deseja, algo que está ausente no momento. A estruturação ocorre por
meio de acordos abstratos, que ao imitar a realidade pretendida, esta lhe serve
de instrumento a seu estímulo inventivo.
“No ponto de partida, a
construção simbólica (o objeto dado e os gestos imitativos a que ele é
assimilado) apenas representa situações e objetos sem relação direta (...) são
assimilados a um sistema de combinações subjetivas (...) uma reprodução
imitativa direta da realidade correspondente, e está só é evocada para servir
de objeto ao esforço de compreensão inteligente. ” (PIAGET, 2015, p.159 -160).
Se a ficção é um elemento do pensamento
simbólico da pessoa, a ela, podemos acrescentar também a metáfora, pois esta
última conecta a imagem mental do sujeito ao objeto desejado, a junção é feita
em sintonia com o sentimento individual de cada pessoa.
“Uma metáfora, por
exemplo, é um símbolo, porque entre a imagem empregada e o objeto ao qual ela
se refere existe uma conexão, não imposta por convenção social, mas sentida
diretamente pelo pensamento individual” (PIAGET, 2015, p.192).
Esta
reciprocidade por meio da inspiração,
sensação ou intuição do qual aprimora o indivíduo, e também determina, porém,
de forma oposta ao pensamento sociabilizado, isto é, se revela por imaginação,
ficção, fantasia, encantamento, inventividade, visão dentre outros.
“Ademais, é um
pensamento do qual se sublimou a natureza individual e mesmo íntima, por
oposição ao pensamento socializado, porque ele se manifesta sobretudo no sonho
e no devaneio.”(PIAGET, 2015, p.192).
Cada
elemento construído pelo indivíduo mediante ficção pressupõe certa estruturação
por relevância, simpatia, afetuosidade ou imagem inventada, “pois todo
simbolismo supõe um interesse e um valor afetivo, aliás, como todo pensamento” (PIAGET,
2015, p.194).
As
ações advindas de um símbolo se processam por reconhecimentos, adaptações,
assimilações, destaques, valores, prestígios, influências, empecilhos,
obstáculos e interpretações diferentes. “O simbolismo procede por
identificações, projeções, oposições, duplos sentidos etc.” (PIAGET, 2015,
p.208).
A
definição deste centro gerador que parece estar ausente no indivíduo para
Piaget, pela visão de Freud e Jung, localiza-se no chamado inconsciente. Lá
encontram-se todas as possibilidades sem nenhum tipo de controle racional ou
social, de modo que, o sujeito está livre para fazer todo tipo de associações,
segundo seus interesses, sem a censura, de forma que as imagens acessadas se
tornam símbolos.
“Dito de outra forma, o
objeto (ou o significado) do símbolo acha se associado, no inconsciente, a
todos os tipos de imagem, mas, sendo esse, objeto censurado, somente são
toleradas pela consciência as associações com imagens que não o relembram de
maneira demasiado evidente, essas imagens são, portanto, simbólicas na medida
em que enganam a censura - e o papel das associações livres, então, é
precisamente encontrar aquelas associações inconscientes que foram censuradas
no momento da formação do símbolo” (PIAGET, 2015, p. 215 - 216).
Neste
caso, a racionalidade e a sociabilidade do indivíduo seleciona o que ele deve
representar. Alguns pontos estimulam o sujeito é a acessar em nome da
civilidade, urbanidade, entre outros e aquilo que não é permitido a conexão através
da consciência, faz com que ele se desligue, pois “Isso só é compreensível se
compararmos a consciência a um projetor, que ilumina certos pontos e se afasta
de outros, pela vontade daquele que o aciona” (PIAGET, 2015, p. 216).
Novamente,
o que aciona a percepção está ausente no indivíduo, isto é, do controle que
decide iluminar alguns elementos e ignorar outros, entretanto, em certas
circunstâncias, reconhecidas como simbólicas, certas conexões escapam desta
restrição. Piaget, recorre a Freud que diz “a censura resulta da consciência e
o simbolismo é produto de associações inconscientes que enganam a censura”
(PIAGET, 2015, p.217).
Assim,
para Freud a linguagem dita simbólica seria algo semelhante à comunicação
primitiva, uma espécie de economia de pensamento ou disfarce frente às
restrições. Estes fatores gerados por limitações provocariam efeitos
representativos (disfarces) nos indivíduos.
“Freud admitiu que o
simbolismo constituía igualmente uma linguagem primitiva, mas é então, ao mesmo
tempo, linguagem e disfarce: o mecanismo da “condensação” é nesse caso
explicável por simples fatores de economia do pensamento, mas o “deslocamento”
permanece sendo concebido como sempre resultante da própria censura” (PIAGET, 2015, p.217).
São
os impactos dos resultados destas representações elaboradas pelos indivíduos
que se transformam em novas finalidades, atualizam realidades, mostram rumos,
sentidos, e despertam os interesses dos indivíduos para ações orientadas pela
ficção.
PIAGET,
Jean. A Formação do Símbolo na Criança: imitação, jogo e sonho, imagens e
representação. Trad. Álvaro Cabral e Christiano Monteiro Oiticica 4ed. Rio de
Janeiro: LTC, 2015.
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