O Símbolo Como liberdade que Cria e Potencializa a Realidade


Joaquim Luiz Nogueira 

Artigo Nº 2 - A construção do indivíduo pelo símbolo na teoria de Mircea Eliade

O Símbolo Como liberdade que Cria e Potencializa a Realidade


A construção do indivíduo a partir de símbolos é capaz de oferecer ao sujeito, não só o rumo das coisas, mas o sentido, o interesse, a conexão com a continuidade daquela força que nos puxa em sua direção. Mircea Eliade nos fala que “[...] diante das imagens e dos símbolos que no mundo exótico, tomam o lugar dos nossos conceitos ou que os vinculam e prolongam [...]” (MIRCEA, 1991, p.6).
Essa força que se irradia a partir de um símbolo faz transbordar no corpo humano certo elemento de potência, cuja origem é imaterial, porem compreendida pela mente como imagem, mito, comando, inspiração, criatividade ou sabedoria: 

Melhor ainda, começamos a compreender hoje algo que no século XIX, não podia nem mesmo pressentir: que o símbolo, o mito, as imagens pertencem a substância da vida espiritual, que podemos camuflá-los, mutilá-los, degradá-los, mais que jamais poderemos extirpá-los (MIRCEA, 1991, p.7).

O corpo humano é visto como algo que foi fundido com outra substância, espécie de união que lhe é preexistente, mas uma vez corporificada nele, esta constituição passa a comandar o indivíduo com um entusiasmo muito mais abrangente do que sua limitada estrutura física de carne e osso.
Quando o corpo se encontra na fase infantil, as junções entre o elemento herdado e a mente deixam transparecer esta outra dimensão na forma daquilo que denominamos como inocência. Fase em que os horizontes não possuem limites, pois o pensamento infantil é simbólico, porém, ele também se apresenta-se no adulto.



O pensamento simbólico não é uma área exclusiva da criança, do poeta ou do desequilibrado: ela é consubstancial ao ser humano, precede a linguagem, e a razão discursiva. O símbolo revela certos aspectos da realidade – os mais profundos -  que desafiam qualquer outro meio de conhecimento (MIRCEA, 1991, p.8).

A leitura que cada ser humano faz do mundo, assim como, as devidas ações desencadeadas por ela frente às interpretações de contextos, situações, imagens, mitos e símbolos, todas têm a possibilidade de satisfazer a uma primordialidade, que lhe é necessária e inevitável. São essas visões do sujeito que manifestam outras variantes que lhe incorpora: “As imagens, os símbolos e os mitos não são criações irresponsáveis da psique, elas respondem a uma necessidade e preenchem uma função; revelar as mais secretas modalidades do ser” (MIRCEA, 1991, p.8-9).
As imagens simbólicas são elementos ajustáveis, as mentes humanas as usam como mecanismos que ajudam na sintonia com aquilo que realmente lhe interessa, já que a realidade manifestada diante do indivíduo carrega muitos antagonismos, logo, uma imagem resposta surge em sua mente.

As imagens são multivalentes. Se o espirito utiliza as imagens para captar a realidade profunda das coisas, é exatamente o porquê essa realidade se manifesta de maneira contraditória, e consequentemente não poderia ser expressada por conceitos (MIRCEA, 1991, p.11).

Essas representações que surgem na psique humana imploram pela necessidade de suprir um vazio ou uma lacuna de um tempo já decorrido, no qual foi lhe negado outras possibilidades naquele momento, mas agora, a imagem mental lhe apresenta como o sujeito poderia ter agido e acrescenta novas expectativas para sanar a falha junto ao tempo presente. 



Constataremos que essas imagens invocam a nostalgia de um passado mitificado, transformado em arquétipo, que esse “passado” contém, além da saudade de um tempo que acabou, mil outros sentidos: ele expressa tudo o que poderia ter sido, mas não foi (MIRCEA, 1991, p.13). 

Toda busca pessoal significa certa proximidade com os símbolos que lhe transporta até outras dimensões do tempo, lá é desperto sua obrigação frente à realidade da existência. Eliade chama isso de situação extrema, responsável pelo tipo de participação que temos no cotidiano.

Os símbolos, os mitos e os ritos revelam sempre uma situação-limite do homem, e não apenas uma situação histórica. Por situação-limite entendemos aquela que o homem descobre como tomando a consciência do seu lugar no Universo (MIRCEA, 1991, p.30).

É neste momento que o indivíduo consegue superar sua condição como ser histórico, isto é, no sentido de uma atuação junto à realidade, ele fixa sua vontade de renascer novamente objetivando a realização de seus ideais, aqueles que o levará para sua plenitude enquanto ser ilimitado. “A medida que o homem transcende o seu momento histórico e dá livre curso ao seu desejo de reviver os arquétipos, ele se realiza como ser integral, universal” (MIRCEA, 1991, p.32). 
Os textos sagrados da Antiguidade mencionavam algumas imagens que significavam essa passagem de homem histórico para um ser universal. Esses portais eram representados por escadas ou flutuações que simbolizavam o acesso a esta outra dimensão, veja nas palavras de Eliade: “A escalada ou ascensão denota o caminho rumo a realidade absoluta (MIRCEA, 1991, p.47). 
O indivíduo busca constantemente um estado que se encontra além de sua posição realista, ou seja, do sentimento de aprisionamento, cujo limite é denominado como corpo e a libertação dessa cadeia passa por grandes desafios guiados pela ideia de recuperação de algo perdido.

Compreendemos por isso o desejo de se encontrar sempre e sem esforço no Centro do Mundo, no coração da realidade, e, enfim, de ultrapassar de uma maneira natural a condição humana e de reencontrar a condição divina. Um cristão diria a condição anterior a queda (MIRCEA, 1991, p.51). 

Este elo extraviado do indivíduo, mesmo que não faça parte fisicamente de sua realidade é capaz de retirá-lo de seu tempo, de sua agonia e projetá-lo de forma simbólica para o lugar conhecido como o centro que lhe direciona. É desta dimensão magnífica, cujo acesso se dá apenas pelo símbolo, elemento responsável pela abertura entre o mundo corpóreo e o universo sem limites.
É uma conexão conhecida pelo indivíduo como sensação prazerosa, capaz de liga-lo com forças misteriosas, fios invisíveis, mas suficientes para trazer emoções únicas a cada pessoa. Tal junção forma a metáfora, que conhecemos como vida.
Contentemo-nos em lembrar que um mito retira o homem de seu próprio tempo, de seu tempo individual, cronológico, “histórico” – e o projeta, pelo menos simbolicamente, no Grande Tempo, um instante paradoxal que não pode ser medido por não ser constituído por uma duração. O que significa que o mito implica uma ruptura do Tempo e do mundo que o cerca; ele realiza uma abertura para o Grande Tempo, para o Tempo Sagrado (MIRCEA, 1991, p.54). 

Uma possível linha de interpretação nos leva a conclusão do quanto cada indivíduo é desconhecedor daquilo que movimenta seu corpo rumo ao dia seguinte. Neste aspecto, duas coisas são importantes; a representação pessoal e a circunstância em que se encontra naquele momento, que juntas, definem o que o sujeito significa para si mesmo. E deste modo, outra maneira de fugir desta condição de ignorância humana, seria o indivíduo não se identificar com a representação do que cada um pensa ser ou desejaria tornar-se, com base ao que imagina como seu ideal.


Em outros termos, ultrapassamos a condição temporal e a obtusa suficiência, que são o fardo de todo ser humano, pelo simples fato de ele ser “ignorante”, ou seja, de identificar a si e ao Real com a sua própria situação particular. Pois a ignorância está em primeiro lugar nesta falsa identificação do Real com o que cada um de nós parece ser ou parece possuir (MIRCEA, 1991, p.55).

Este pequeno controle do indivíduo sobre seu mundo de representações, acaba por fugir de seu comando na maioria das vezes, nesse momento de confusão e desespero, aparece a entoação de símbolos, linguagem com a capacidade de lançar o sujeito para outra dimensão, cuja sintonia, provoca nele efeitos emocionais. Dessa forma a pessoa se reconhece como ser limitado, admite não possuir o poder para criar mundos perfeitos, pois não controla sua própria existência, porém, neste estágio se abre uma porta para possibilidades infinitas, desde que ele acredite. 

A recitação periódica dos mitos derruba os muros construídos pelas ilusões da existência profana. O mito reatualiza continuamente o Grande Tempo e dessa forma projeta quem o ouve a um plano sobre-humano e sobre-histórico que, entre outras coisas, proporciona a abordagem de uma Realidade impossível de ser alcançada no plano da existência individual profana (MIRCEA, 1991, p.56).


Acreditar numa outra existência extra corpo é superar os limites desta realidade mundana, é a projeção de todas as ações do indivíduo para um plano que possa mostrar aos outros, numa linguagem simbólica e metafórica, a grandeza infinita de algo que sua mente não consegue compreender totalmente. Essa conexão, uma vez ligada a pessoa, cria possibilidades para que o mesmo se comunique por meio de linguagens simbólicas, modificando a leitura que tem do mundo e suas ações.


Transcender o tempo profano, reencontrar o Grande Tempo mítico, equivale a uma revelação da realidade última. Realidade estritamente metafísica, que não pode ser abordada de outra maneira senão através dos mitos e símbolos (MIRCEA, 1991, p.56). 

Uma das palavras mais simbólicas que pode ser exemplo de metáfora para o ser humano é a liberdade. Este vocábulo possui inúmeros sentido, cujas variações dependem do contexto, contudo na maioria das vezes em que é mencionado, tem a capacidade de desligar o indivíduo de sua rotina. “O homem só pode se desprender através de um ato de liberdade espiritual” (MIRCEA, 1991, p.62)
Entre os adeptos do Budismo, a libertação do tempo que nos aprisiona ocorre com a revogação da existência, isto é, o indivíduo deve deslocar-se de seu corpo: “A única possibilidade de sair do tempo, de quebrar o círculo de ferro das existências é abolição da condição humana” (MIRCEA, 1991, p.63).
Outra forma de alforria seria pelo conhecimento, - entendimento de uma dada situação ou fato. A clareza com que um indivíduo consegue perceber uma circunstância e acreditar na sua convicção o faz sair da existência demarcada. “A iluminação, a compreensão, realiza o milagre da saída do Tempo” (MIRCEA, 1991, p.72). Esta ponte capaz de conectar o indivíduo com outra dimensão fora de seu período pode ser denominada de “fé”, crença inabalável em algo. Se o sujeito realmente acreditar, sua certeza o transportará em segurança até aquele lugar desejado. A convicção é o ponto de descontinuidade com a realidade angustiante, estabelecendo a confiança necessária para manter a pessoa em outro espaço.

Um “Centro” representa um ponto ideal, pertencente não a um espaço profano, geométrico, mas ao espaço sagrado, e no qual se pode realizar a comunicação com o Céu ou o Inferno; em outros termos, um “Centro” é o lugar paradoxal da ruptura dos níveis, o ponto em que o mundo sensível pode ser ultrapassado. Mas pelo fato de transcender o Universo, o mundo criado, transcende-se o tempo, a duração, e obtém–se a estase, o eterno presente intemporal (MIRCEA, 1991, p.72).

Os símbolos traduzem um estado de equilíbrio, capaz de falar com cada sujeito de maneira diferente, pois podem se conectar de acordo com as experiências e o grau de interpretação de cada ser humano. Diante de uma imagem simbólica, alguns podem viajar para fora do tempo, enquanto outros, simplesmente parecem ignorar sua presença.
Segundo Eliade, o símbolo pode representar “O presente total, o eterno presente dos místicos, é a estase, a não-duração. Traduzida ao simbolismo espacial, a não-duração, o eterno presente é a imobilidade” (MIRCEA, 1991, p.78).
O indivíduo vive na fronteira de seu corpo limitador, sonha com o universo ilimitado que se encontra fora de seu alcance. É neste campo infinito que ele: navega, voa, viaja, pesquisa, projeta e idealiza aquilo que estabelece como modo de viver. 


ELIADE, Mircea. Imagens e Símbolos: Ensaio sobre o simbolismo mágico e religioso. Trad. Sonia Cristina Tamer. São Paulo: Martins Fontes, 1991.





Representação de Algo Desejado: Jogo da Ficção



Joaquim Luiz Nogueira 

Artigo 1 -  pertencente a uma série de estudos sobre a construção do indivíduo pelo símbolo, realizado pelo autor, numa busca de compreensão sobre o objeto em questão, no caso, o ser humano. 


Representação de Algo Desejado: Jogo da Ficção

Em uma ação racional do indivíduo, o mesmo, procura resolver os problemas reais adaptando-se ao contexto externo que o rodeia, porém, a imaginação lhe acrescenta novos elementos, cujo efeito simbólico é capaz de submeter à realidade no sentido de satisfazer o sujeito, espécie de jogo que não possui norma ou limite para sua inventividade. A pessoa assimila aquilo que melhor lhe encanta, e isto, passa a orientá-la.

Para orientar-se no sentido da assimilação como tal: em vez do pensamento objetivo, que procura submeter-se às exigências da realidade exterior, o jogo da imaginação constitui, com efeito, uma transposição simbólica que sujeita as coisas à atividade do indivíduo, sem regras nem limitações. Logo, é assimilação quase pura, quer dizer, pensamento orientado pela preocupação dominante da satisfação individual (PIAGET, 2015, p.100). 

De acordo com Piaget, o indivíduo em sua fase infantil de socialização, adota algumas normas, sua imaginação passa a simbolizar os diversos elementos presentes em sua realidade, ou seja, para cada fato o sujeito é direcionado rumo a uma conduta coletiva ou certa representação desejada pelo sujeito, frente aquele momento.

Com a socialização da criança, o jogo adota regras ou adapta cada vez mais a imaginação simbólica aos dados da realidade, sob a forma de construções ainda espontâneas, mas imitando o real: sob essas duas formas, o símbolo de assimilação individual cede assim o passo, quer à regra coletiva, quer ao símbolo representativo ou objetivo, quer aos dois reunidos (PIAGET, 2015, p.100). 



O procedimento que o indivíduo adota é semelhante àquele utilizado numa brincadeira, tendo como princípio, a capacidade de lograr a realidade, ao sujeitá-la a outras opções substitutivas. “Mas reconhecemos que, funcionalmente, a assimilação lúdica (...) é o ponto de partida do símbolo” (PIAGET, 2015, p.115). 
O indivíduo associa cada suposta realidade a esquemas ficcionais, ideais ou situações desejadas, sendo que, nenhuma delas possui vinculação direta com o sujeito, porém são evocadas por intermédio de imitações, ou seja, os objetos ausentes participam por incorporações significativas.

No símbolo lúdico, pelo contrário, o objeto atual é assimilado a um esquema anterior sem relação objetiva com ele, e é para evocar esse esquema anterior e os objetos ausentes que com ele se relacionam que a imitação intervém a título de gesto “significante”. Em suma, no símbolo lúdico, a imitação não diz respeito ao objeto presente e sim ao objeto ausente, que se faz mister evocar (PIAGET, 2015, p.118).

A representação pode simbolizar para uma criança um determinado objeto que está ausente. Diante de uma dada realidade, ela deseja algo impossível como tal se realiza mediante a reprodução de algo semelhante, isto é, se deleita com uma ficção. Deste modo, o indivíduo representa aquilo que está em outro plano, externo a ele, porém, essa personificação se incorpora no sujeito por intermédio da imaginação, algo ilusório ou simbólico que lhe satisfaz na ausência do objeto real.

O símbolo implica a representação de um objeto ausente, visto ser comparação entre um elemento dado e um elemento imaginado, e uma representação fictícia (...). Por exemplo, a criança que desloca uma caixa imaginando ser um automóvel representa, simbolicamente este último pela primeira e satisfaz-se com uma ficção (PIAGET, 2015, p.127).

A fantasia ao simbolizar um desejo do indivíduo, aciona mecanismos capazes de mobilizar realizações difíceis ou problemáticas. Ela contém o princípio da brincadeira, que desencadeia movimentos no sujeito, e esses, amplificam se constituindo em novos elementos e ou outras realidades.

A maioria dos jogos simbólicos, salvo as construções de pura imaginação, ativa os movimentos e atos complexos. Eles são, pois, simultaneamente sensórios-motores e simbólicos, mas chamamos-lhes simbólicos na medida em que ao simbolismo se integram os demais elementos (PIAGET, 2015, p.128).

O indivíduo condiciona a realidade para buscar a concretização de seus desejos a partir da invenção de contrapesos, ou seja, algo que possa equilibrar o antagonismo defrontado diante dele. Com este tipo de ação o sujeito expande aquilo que considera como conquista pessoal. 

Além disso, as suas funções afastam-se cada vez mais do simples exercício: a compensação, a realização dos desejos, a liquidação dos conflitos etc. somam-se incessantemente ao simples prazer de sujeitar à realidade, a qual prolonga, por si só, o prazer de ser causa inerente ao exercício sensório motor (PIAGET, 2015, p.128).

Este comportamento que gera equilíbrio ao ser humano, se desperta pela simulação daquilo que ele deseja, pois, “o simbolismo principia com as condutas individuais que possibilitam a interiorização da imitação” (PIAGET, 2015, p.128).
Quando vários indivíduos decidem imitar os mesmos objetos ou outras condutas pessoais, criam símbolos coletivos. Com este tipo de atitude, o sujeito passa a ter um papel a cumprir, já que todos devem agir de forma semelhante, neste caso, surgem às normas.  “A regra é uma regularidade imposta pelo grupo, e de tal sorte que a sua violação representa uma falta” (PIAGET, 2015, 128).
Diante de uma dada realidade negativa ou desagradável, a maneira encontrada pela pessoa para suportar determinada situação é oferecida a ele pelo símbolo, isto é, por algo que está ausente. “O símbolo lhe fornece os meios de assimilar o real aos seus desejos ou aos seus interesses” (PIAGET, 2015, p.136). Esta construção simbólica se dá por meio de objetos e gestos imitativos do que o sujeito deseja, algo que está ausente no momento. A estruturação ocorre por meio de acordos abstratos, que ao imitar a realidade pretendida, esta lhe serve de instrumento a seu estímulo inventivo.

No ponto de partida, a construção simbólica (o objeto dado e os gestos imitativos a que ele é assimilado) apenas representa situações e objetos sem relação direta (...) são assimilados a um sistema de combinações subjetivas (...) uma reprodução imitativa direta da realidade correspondente, e está só é evocada para servir de objeto ao esforço de compreensão inteligente. (PIAGET, 2015, p.159 -160).

Se a ficção é um elemento do pensamento simbólico da pessoa, a ela, podemos acrescentar também a metáfora, pois esta última conecta a imagem mental do sujeito ao objeto desejado, a junção é feita em sintonia com o sentimento individual de cada pessoa.

Uma metáfora, por exemplo, é um símbolo, porque entre a imagem empregada e o objeto ao qual ela se refere existe uma conexão, não imposta por convenção social, mas sentida diretamente pelo pensamento individual (PIAGET, 2015, p.192).

Esta reciprocidade por meio da inspiração, sensação ou intuição do qual aprimora o indivíduo, e também determina, porém, de forma oposta ao pensamento sociabilizado, isto é, se revela por imaginação, ficção, fantasia, encantamento, inventividade, visão dentre outros.  


Ademais, é um pensamento do qual se sublimou a natureza individual e mesmo íntima, por oposição ao pensamento socializado, porque ele se manifesta sobretudo no sonho e no devaneio.(PIAGET, 2015, p.192).

Cada elemento construído pelo indivíduo mediante ficção pressupõe certa estruturação por relevância, simpatia, afetuosidade ou imagem inventada, “pois todo simbolismo supõe um interesse e um valor afetivo, aliás, como todo pensamento” (PIAGET, 2015, p.194).
As ações advindas de um símbolo se processam por reconhecimentos, adaptações, assimilações, destaques, valores, prestígios, influências, empecilhos, obstáculos e interpretações diferentes. “O simbolismo procede por identificações, projeções, oposições, duplos sentidos etc.” (PIAGET, 2015, p.208).
A definição deste centro gerador que parece estar ausente no indivíduo para Piaget, pela visão de Freud e Jung, localiza-se no chamado inconsciente. Lá encontram-se todas as possibilidades sem nenhum tipo de controle racional ou social, de modo que, o sujeito está livre para fazer todo tipo de associações, segundo seus interesses, sem a censura, de forma que as imagens acessadas se tornam símbolos.

Dito de outra forma, o objeto (ou o significado) do símbolo acha se associado, no inconsciente, a todos os tipos de imagem, mas, sendo esse, objeto censurado, somente são toleradas pela consciência as associações com imagens que não o relembram de maneira demasiado evidente, essas imagens são, portanto, simbólicas na medida em que enganam a censura - e o papel das associações livres, então, é precisamente encontrar aquelas associações inconscientes que foram censuradas no momento da formação do símbolo (PIAGET, 2015, p. 215 - 216).



Neste caso, a racionalidade e a sociabilidade do indivíduo seleciona o que ele deve representar. Alguns pontos estimulam o sujeito é a acessar em nome da civilidade, urbanidade, entre outros e aquilo que não é permitido a conexão através da consciência, faz com que ele se desligue, pois “Isso só é compreensível se compararmos a consciência a um projetor, que ilumina certos pontos e se afasta de outros, pela vontade daquele que o aciona” (PIAGET, 2015, p. 216).
Novamente, o que aciona a percepção está ausente no indivíduo, isto é, do controle que decide iluminar alguns elementos e ignorar outros, entretanto, em certas circunstâncias, reconhecidas como simbólicas, certas conexões escapam desta restrição. Piaget, recorre a Freud que diz “a censura resulta da consciência e o simbolismo é produto de associações inconscientes que enganam a censura” (PIAGET, 2015, p.217).
Assim, para Freud a linguagem dita simbólica seria algo semelhante à comunicação primitiva, uma espécie de economia de pensamento ou disfarce frente às restrições. Estes fatores gerados por limitações provocariam efeitos representativos (disfarces) nos indivíduos.

Freud admitiu que o simbolismo constituía igualmente uma linguagem primitiva, mas é então, ao mesmo tempo, linguagem e disfarce: o mecanismo da “condensação” é nesse caso explicável por simples fatores de economia do pensamento, mas o “deslocamento” permanece sendo concebido como sempre resultante da própria censura (PIAGET, 2015, p.217).

São os impactos dos resultados destas representações elaboradas pelos indivíduos que se transformam em novas finalidades, atualizam realidades, mostram rumos, sentidos, e despertam os interesses dos indivíduos para ações orientadas pela ficção.  

PIAGET, Jean. A Formação do Símbolo na Criança: imitação, jogo e sonho, imagens e representação. Trad. Álvaro Cabral e Christiano Monteiro Oiticica 4ed. Rio de Janeiro: LTC, 2015.

Pensadores do Fórum do Amanhã

Como pensam alguns dos participantes deste fórum do amanhã?


Joaquim Luiz Nogueira 



Entre os pensadores deste fórum do amanhã, três deles são já tradicionais em suas ideias, Domenico de Masi, Eduardo Giannetti e Heloisa Starling, No entanto, os outros quatros, possuem ideias que navegam no limite entre racionalidade e ficção. Vejamos um resumo de suas ideias:

Kdu da Favelinha[i], com projeto social em Belo Horizonte MG, “Kdu tem muitos planos para o futuro. “Além da expansão do espaço físico, desejo que mais oportunidades sejam geradas dentro e fora da Favelinha, desfazendo o estigma que o morador da periferia é condenado a subempregos e modificando a perspectiva de vida das pessoas”,

Ele trabalha com os ideais dos moradores da periferia urbana e que formam a grande maioria dos aglomerados urbanos das grandes cidades, aqueles que segundo ele, “são condenados ao subemprego”. E como se trata de uma grande massa de pessoas e de consumidores, conta com ajuda de voluntários e patrocinadores, incluindo a grande mídia.
Outro pensador deste fórum é o Sidarta Ribeiro[ii] que faz pesquisa nas interfaces entre eletrofisiologia, etologia e biologia molecular, atuando principalmente nos seguintes temas:

1.   Sono, sonho e memória;
2.   Genes imediatos e plasticidade neuronal;
3.   Comunicação vocal em aves e primatas;
4.   Competência simbólica em animais não-humanos.

Para este pesquisador “Todas as noites, bilhões de indivíduos passam horas plugados no mais potente simulador de realidade virtual do Universo. Com ele, podem realizar desejos insuspeitos, explorar os limites da própria personalidade ou descortinar cenários e criaturas surreais. Não se trata de cenário de ficção científica —basta fechar os olhos e sonhar, diz o neurocientista Sidarta Ribeiro”.

O que está em jogo para Sidarta é o “descortinar de novos cenários e as criaturas surreais”. Estes sonhos surreais, segundo o pesquisador, podem fazer parte da construção da realidade das pessoas na formação de um mundo livre, tanto virtual quanto real.

A pensadora Rosiska Darcy de Oliveira é uma jornalista, escritora e acadêmica brasileira, que também participa deste fórum, cujas obras tratam principalmente de temas como o feminismo, a educação e a vida contemporânea. Aqui, embora o tema “educação e a vida” seja polemico, pois busca a introdução da vida cotidiana das pessoas na sociedade, principalmente as diferenças culturais e de gênero.

Outro pesquisador deste evento é Roberto Gambini,[iii] que sendo ele, terapeuta junguiano há trinta anos, Sua grande preocupação intelectual tem sido fazer confluir a psicologia junguiana e as ciências sociais. Segundo ele:

“Ficou o que tinha peso ou o que em mim estava arraigado a partir de um processo real. O tempo tirou coisas que eu dizia, mas que eram apenas teóricas, ou então coisas que eu não tinha vivido. Quando falo de uma coisa que não vivi, minha fala tem pouco ou nenhum efeito. No lugar dessas coisas, o tempo colocou outras, muitas vezes opostas a elas. Ensinou-me a olhar cada vez mais a realidade do paciente como ela é, a não ter medo de entrar nos labirintos onde ele se encontra, a não vir a ele com ideias prontas, a sempre admitir o imprevisível, o não pensado, o não vivido. A acreditar mais e mais no poder da vida, que é o poder de se autopreservar e de criar formas viáveis de existir. Ensinou-me a projetar menos no paciente. A distinguir melhor o que é uma coisa minha e o que é uma coisa dele”.

O que é novo neste pensamento é a forma de respeitar a realidade do paciente como ela é, e admitir o imprevisível, o não pensado, o não vivido. Trata-se de valorizar o que ele chama de “poder da vida”, ou seja, da autopreservação, a maneira de permitir e criar formas variáveis de existência. As novas configurações de sociedade do futuro pertencem, de acordo com este pensador, a um mundo de criação espontânea. A pergunta que fica, talvez seja: será que o capitalismo vai permitir esta existência espontânea? Ou, o consumo será o grande mediador deste novo mundo do imprevisível? Os alimentos e os medicamentos também serão espontâneos? As novas doenças e bactérias poderão ser produzidas?  



O século XVI e o surgimento do pensamento moderno



Joaquim Luiz Nogueira



Segundo Francastel, temos no surgimento do pensamento moderno (século XVI) a “Força da corrente Figurativa” que neste período, quando a coisa que nos encanta ou que nos provoca certo deleite, a ponto de nos transportar mentalmente para outros espaços imaginários, e também, capaz de reunir pessoas em espaços artificiais ao reproduzir  diversos horizontes sentimentais, ou seja, aquilo que “(...) introduz o maravilhoso (...) ilustra efetivamente a coabitação no mundo de um sistema de visualização tradicional e de um sistema inédito (...) os novos horizontes sentimentais” (FRANCASTEL 1983, p.243).
Para ilustrar essa ideia de como o relampejo de algo que nos encanta, pode compor novas ações por meio de um simples transporte via sentimentos, ou em alguns momentos históricos, cujo vislumbre do maravilho, foi capaz de construir ações na realidade de épocas históricas.
Desde o pensamento da Antiguidade, já temos o exemplo do filósofo Sócrates (470 a.C.- 399 a.C.) com sua frase “conheça a ti mesmo” e diante das situações políticas de sua época, ele confiou em sua tese de que, cometendo o suicídio com veneno cicuta, poderia provar aos juízes de seu tempo que sua conduta era justa, mas que naquele universo, não seria compreendido, então, sua postura foi confiar que mesmo com sua morte, suas ideias continuariam a existir, provando sua vitória.
"Eu predigo-vos portanto, a vós juízes, que me fazeis morrer, que tereis de sofrer, logo após a minha morte, um castigo muito mais penoso, por Zeus, que aquele que me infligis matando-me. Acabais de condenar-me na esperança de ficardes livres de dar contas da vossas vida; ora é exatamente o contrário que vos acontecerá, asseguro-vos (...) Pois se vós pensardes que matando as pessoas, impedireis que vos reprovem por viverem mal, estais em erro. Esta forma de se desembaraçarem daqueles que criticam não é nem muito eficaz nem muito honrosa[i]

Dessa maneira, Sócrates enfrentou seus inimigos escolhendo uma alternativa inédita para seu tempo, assim como suas ações em vida, que ensinava seu conhecimento de graça, o que contrariava a classe política de sua época. Também dizia que para se acreditar em algo, era preciso verificar se aquilo realmente era verdade, logo, orientava as pessoas a fazerem perguntas e críticas, tudo o que os políticos não queriam para o povo.
Antes de Sócrates, Buda ou Sidarta, que nasceu em aproximadamente 566 a. C, também ao ficar indignado com o sofrimento, a velhice, a doença e a morte, decidiu dedicar somente a vida espiritual ao desprezar o corpo e a materialidade. Seu objetivo foi a busca da iluminação espiritual e faleceu aos oitenta anos de idade, em 483 a. C.,
Mais tarde, no auge do domínio romano sobre outros povos, entre os judeus, nasce Jesus Cristo, que segundo o evangelho, falava sobre o Reino de Deus, um lugar de justiça, paz e alegria no espírito:  
O Reino de Deus, que não terá fim e que já está no meio de nós (Lc 17, 21), é justiça, paz e alegria no Espírito Santo (Rm 14,17); é o fim último ao qual Deus nos chama;[10] é obra do Espírito Santo;[11] e é também um império eterno que jamais passará e…jamais será destruído (Dn 7,14).[ii]

 E no século XVI, temos o homem que ao buscar a si mesmo, passa a incorporar papéis desejados, isto é, transforma-se em ator. E o ator substitui o homem e Deus. “A Natureza oposta ao Homem substitui Deus englobando em seu pensamento o universo. O Homem se considera a si mesmo, de bom grado, como um ator no teatro do mundo” (FRANCASTEL, 1983, p.244).
Dessa maneira ao criar o cenário e ao escrever sobre o papel ideal do ator, este último, tem a possibilidade de interpretar personagens perfeitos no palco do mundo, assim como, transmitir essa experiência para outras gerações: “a influência da compreensão ritual e eficaz do mundo, assim como a da interpretação racional do universo e que só se explica pela flexível evolução das várias gerações” (FRANCASTEL, 1983,p.245).
O pensamento moderno fez surgir o ator no lugar do homem natural, e juntamente com ele, toda uma nova linguagem, sendo esta, desenvolvida através do espirito científico moderno, ou seja, exigências dos novos cenários do maravilhoso, dos espetáculos que encantavam as pessoas. Estas cenas teatrais materializam-se também nas concepções ideais projetadas para o cotidiano.
“o progresso das novas linguagens reflete essa marcha hesitante do pensamento moderno .... abre caminho as novas experiências ... nascidas do espirito cientifico moderno, as tradições maravilhosas do espetáculo popular. Ele materializa então, no par cena-sala solidários, a concepção ideal do microcosmo – macrocosmo que constitui o fundo da filosofia dos tempos modernos... o século XVI aparece como um período em que as duas tendências se confirmam sem se defrontar nem se fundir. (FRANCASTEL, 1983, p.245).

A partir da cena teatral apresentada pela imaginação do ator, que nasce novos pensamentos na modernidade. Eles são frutos da concepção e do entendimento do indivíduo. “Não é a forma que cria o pensamento nem a expressão, mas é o pensamento, expressão do conteúdo social comum de uma época, que cria a forma” (FRANCASTEL, 1983 p.249).
Portanto, segundo Francastel, é pela presença da coisa vista que se explicam as imagens construídas na modernidade. Elas representam “horizontes vividos”, isto é, alargamentos de contextos materiais, culturais e intelectuais da humanidade, espécie de utopia estética que cria imensos horizontes positivos.
Cerca de 1480 uma mudança radical intervém nos ritos sociais ao mesmo tempo que no sistema figurativo do século. Inspirado até então pela visão dos espetáculos populares, os artistas transpõem o mais das vezes cenas vistas na rua durante verdadeiras liturgias civis mais importantes que os mistérios – que constituem apenas um momento destes e que utilizam aliás igualmente um vasto material de objetos e de emblemas emprestados aos últimos séculos da Idade Média. Esses vastos “espetáculos não-teatrais”, que culminam cortejos e em justas, marcam o ritmo paralelo da vida humana e dos ciclos da natureza; eles pontuam a vida popular das cidades (FRANCASTEL, 1983 p.284).

A mudança do sistema figurativo entre o século XV para o século XVI está no contexto da visão dos espetáculos de mistérios populares que alimentavam as imaginações para as observações de artistas, que ao acompanhar os acontecimentos de rua durante certos rituais ou liturgias, criava em paralelo aos mistérios, alguns recortes, que se transformaram em emblemas, dando origem a um ritmo paralelo na vida humana.
De acordo com Francastel, esta mudança começa ocorrer junto a poesia amorosa, pois “seus versos estão intimamente entremeados ao tecido de sua própria aventura sentimental” (FRANCASTEL, 1983, p.287). Trata-se da incorporação ao imaginário do individuo pela trama que está a sua volta, ou seja, algo imaginado ou sentido que pode renovar a vida.
Assim como um cheiro, um sabor ou um perfume, ambos capazes de anunciar algo que nossa imaginação tem como buscar via memória, possíveis representações semelhantes e aproximadas, pelas quais, podem -se criar ou renovar a vida: “Há portanto no renovamento da vida pelo Amor  como que um presságio daquilo que nos espera depois de nosso fim e eis porque os cantos de amor são dignos de toda atenção; eles são a prefiguração de destino da alma humana” (FRANCASTEL, 1983, p.287).
Esta atitude humana pode atenuar segundo Francastel “a lei dos ciclos eternos” de vida e morte, pois, o perfume do além pode amenizar o desespero do destino por meio da contemplação do maravilhoso. É dessa maneira que a vida tem como triunfar sobre a morte, ela se antecipa o encontro com o deslumbrante, evoca a ideia de um outro mundo.
Para Francastel, quando nos encantamos por uma imagem ou “pela força efetiva de um objeto amado” este age à maneira das forças da natureza que regem o universo: “a amante faz reflorir a alma do amante como a primavera faz reflorir a terra” (FRANCASTEL, 1983, p.290).
Neste contexto do amor do final do século XV, Francastel retoma o pensamento dos platônicos que dizia:” o espírito, os olhos, e os ouvidos podem nos guiar, os outros sentidos apenas  são incuravelmente vis” (FRANCASTEL, 1983, p.291). Dessa maneira, algumas imagens podem transportar desde a alegoria do coração de um artista que lhe produziu até o gosto de toda uma sociedade.

Referências bibliográficas

FRANCASTEL, Pierre. A Realidade Figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1983



[i] https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3crates Acesso em 02 de julho de 2019
[ii] https://pt.wikipedia.org/wiki/Reino_de_Deus Acesso em 02 de julho de 2019

Autoridade Simbólica

                                                                                                               Joaquim Luiz Nogueira



Não se trata de uma pessoa, porém, de uma autoridade simbólica. Ela é um título que se identifica com aquele que deve agir como um prolongamento ou acréscimo da instância simbólica na qual é representante. Encarnado nesta autoridade simbólica que fala através do corpo e por suas palavras, cujo ato, praticamente, anula o ser vivo, enquanto este se identificar com o mandato simbólico que lhe confere autoridade a sua pessoa.
O órgão sem corpo que discursa através da pessoa, cujo suporte, é algo fantasmático, permite apenas uma pequena visão da lacuna que mostra um ser vivo com inconsistências múltiplas. Trata-se de um sujeito controlado por um agente mítico – invisível ou figura fantasmática.
A pessoa real na qual se corporifica neste título age como a personificação desta instância fictícia irreal, sendo um substituto da autoridade simbólica pública, isto é, da aparição espectral invisível que age na sombra, invisível aos olhos do público.
Uma vez corporificado por esta instância simbólica, ele deve irradiar onipotência espectral em seu mandato simbólico, pois segundo Kant, diante do fracasso da representação, deve se usar a palavra “adequação” pois incita o entusiasmo. Porém, Habermas, em sua ética do ideal de comunicação, pressupõe que “o ideal de uma comunicação, já se realizou e que se deve acreditar e agir neste sentido.  

O Garimpeiro e o Mercador


Texto de Slavoj  Zizek 

Nosso terceiro exemplo vem da “vida real” em sua forma mais brutal: os atos de violência (tortura e assassinato nas comunidades de garimpo na bacia do rio Amazonas. Estamos falando de comunidades isoladas em que é possível observar a lógica das relações de poder e da erupção da violência em condições de laboratório. Por assim dizer. Essas comunidades consistem  numa multiplicidade dispersa de garimpeiros individuais; embora nominalmente sejam livres empreendedores, todos dependem do mercado local, que monopoliza o comércio na área. Os mercadores lhes vendem comida, ferramentas e outros utensílios; e compram deles suas pepitas, todos têm dívidas altíssimas com os mercadores, que não as querem liquidadas, pois todo o poder que exercem está baseado na dívida permanente dos consumidores. As relações sociais nessas comunidades são reguladas por uma dupla ficção, ou melhor, pela coexistência sobredeterminada e paradoxal de duas ficções incompatíveis. De um lado, temos a ficção da troca igualitária, como se o garimpeiro e o mercador fossem dois sujeitos que se relacionam no mercado em termos iguais. O anverso disso é a imagem do mercador monopolista como Mestre patriarcal que cuida de seus consumidores, sendo estes quem pagam aquele por esse cuidado paternal, com amor e respeito. Por trás dessa ficção contraditória existe, é claro, a realidade do monopólio dos mercadores, de sua exploração brutal. A violência que eclode nessas comunidades de tempos em tempos se dirige principalmente contra quem representa uma ameaça ao frágil equilíbrio dessa ficção dupla: os alvos preferidos dos mercenários do mercado não são as pessoas incapazes de pagar suas dividas, mas sim quem tenta sair da região  ainda endividado, especialmente quem teve êxito e agora tem condições de liquidar sua divida – essas pessoas são as que mais ameaçam o poder dos mercadores. (uma situação típica é um mercador mandar chamar um garimpeiro cuja divida é muito alta e lhe propor cortar sua divida pela metade se ele atear fogo na casa de outro garimpeiro bem-sucedido.) o que temos aqui é um caso exemplar de como o desejo se inscreve na ambiguidade (....) o desejo oficial do “mercador” é que seus clientes paguem suas dívidas o mais rápido possível – ele os acossa por estarem  atrasados no pagamento -, mas seu verdadeiro temor é que os  endividados lhe paguem, isto é, seu verdadeiro desejo é que todos continuem endividados indefinidamente.

Fonte: Slavoj Zizek, Interrrogando o Real p. 248 -249 . Belo Horizonte: Editora Autêntica, 1ª Ed. 2017. 

O Sopro ou Alma que Habita o Corpo Matéria

Joaquim Luiz Nogueira

A alma como produto construído pelo “Todo Infinito”, compõe-se como elemento programado e reprogramado por segmentos deste complexo em construção. Ela representa a diversidade deste infinito em construção e atualizada constantemente para atuar de acordo com as possibilidades oferecidas pelo “Todo”, cuja missão, está mais próxima de um teste, pois sua ação se junta ao projeto de origem em dimensões cósmicas.
A escolha da matéria para incorporação deste sopro é programada por decisões advindas do “Todo” e atende as demandas da diversidade, sendo a sua liberdade e o conhecimento, também elementos planejados por sua origem. A natureza da matéria, algo que também significa processo de construção do “Todo” e se vincula ao projeto de diversidade infinita, cujo controle representa os interesses vencedores em momentos cósmicos.
 A vida como produto do “Todo Diverso e Infinito”, programada e reprogramada pelos interesses advindos de ações originárias dos segmentos cósmicos, sendo esses, responsáveis pela fabricação da realidade concreta (matéria). Algumas vidas que não correspondem as perspectivas e interesses de sua origem ou que já cumpriram sua missão, são descartadas e se tornam “resíduos”.  Tais detritos são incorporados ao “Todo” e poderá compor novas vidas.
O Universo denominado como “Todo diverso” evolui de forma total  e cria realidade, segundo as forças vencedoras em cada etapa, desse modo, cada contexto real significa o resultado de lutas travadas em outras dimensões. As forças derrotadas não são eliminadas, elas continuam como resíduos aguardando possibilidades para atuarem após certas correções em supostas falhas, então, projetam-se novamente para criação de novas realidades concretas que representem suas vontades.
Cada forma de vida existente no mundo real faz parte de um projeto advindo do “Todo Diverso”. Trata-se de idealizações de segmentos, no qual, projetaram suas incorporações na matéria, sendo que, cada forma de vida carrega parte dos desejos cogitados em algum segmento do “Todo”.
O corpo ou a matéria criada para atender esses anseios advindos de parte do “Todo”, caso não consiga atender sua programação para criar realidades concretas, pode ser descartado enquanto matéria e retornar como força para o segmento de origem.
Tal “força” ou essência não há fim no universo do “Todo Diverso”, cujo retorno em outra matéria depende dos projetos dos segmentos que compõem a totalidade cósmica. Temos que salientar que a matéria na qual a força ou sopro se incorpora não oferece estrutura suficiente para compreender o projeto da qual faz parte enquanto realizador da vontade daqueles que te enviaram ou talvez, seja você mesmo que mergulhou para esta missão.
O segmento projetor do sopro, responsável pela projeção ou vida, dificulta a comunicação deste último com sua origem, assim a vida torna-se uma espécie de espelho que reflete os anseios de sua fonte, porém limitado pela matéria ou corpo. Para que o sopro possa ampliar o entendimento de seu criador, ele deve acrescentar conhecimentos advindos do projetor e para isso, inventar novas ferramentas que possam traduzir a linguagem da origem, ou seja, apoiar-se a outros espelhos refletores que facilitem a leitura.
Outra saída para melhorar essa comunicação seria uma viagem pelo fluxo de luz até o projetor e retornar para a matéria e conseguir traduzir a linguagem que vivenciou, na maioria das vezes, não existem palavras para comunicar tal informação.

Livro: A construção do Indivíduo pelo Símbolo

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