A
Simbolização da Grandiosidade pelo Indivíduo
Pressupomos
que todo indivíduo seja finito enquanto matéria, no entanto, ele também se
depara com grandezas como o universo, que indica certo limite de seu
conhecimento humano. Este espaço indeterminado e inumerável se contrasta com a
limitação de cada pessoa, cujo desejo de participar desta vastidão permanente,
leva a se identificar com esta grandiosidade que lhe parece eterna.
Ao
se contrastar a limitação de cada ser com o ilimitado que o cerca, a mente
também produz uma imagem da beleza representativa idealizada nesta amplitude,
pois, “O belo é uma representação simbólica do infinito, pois assim fica ao
mesmo tempo claro como o infinito pode aparecer no finito” (TODOROV, 2014,
p.316).
Desse
modo, o indivíduo se constrói de maneira que ele possa intercalar o belo entre
as falhas de suas limitações ou trajetória, e neste sentido, muitas vezes,
emprega esta qualidade por meio de representações simbólicas.
Ao
representar essas qualidades de grandeza infinita, o indivíduo também incorpora
às virtudes atribuídas a mesma e que ele a considera como posturas ideais. E,
uma vez incluídas, o sujeito se vangloria da sensação de totalidade das mesmas e
passa a ajustar sua necessidade com base nelas.
Os
objetos assim representados parecem existir por si mesmos apenas e são, porém,
significativos no mais profundo de si mesmos, e isso por causa do ideal, que
sempre carrega consigo uma generalidade. Se o simbólico indica ainda outra
coisa além da representação, será sempre de maneira indireta (TODOROV, 2014,
p.317).
O
indivíduo se constrói via representação de algo que lhe é ausente, sendo suas
ações, na maioria das vezes axiomáticas, isto é, incontestável para ele, pois
naquele momento lhe parecia à única saída. São respostas captadas, percebidas,
simbólicas. “O símbolo é próprio à maneira intuitiva e sensível de apreender as
coisas” (TODOROV, 2014, p.317).
O
símbolo fala com o indivíduo por meio de pensamento e ideias, isto é, quando
ele tem a compreensão ou juízo de algo, houve uma conexão simbólica, que lhe
apresentou rumos, cenários, entre outros, “Assim, o símbolo dirige-se à
percepção” (TODOROV, 2014, p.319).
A
construção do indivíduo se dá por meio de modelos ou padrões em que, ele
próprio o interpreta no sentido de estar preso a uma espécie de molde. A
identificação pessoal se revela como resultado de uma ordem maior. “O simbólico
é o exemplar, o típico, o que permite ser considerado como a manifestação de
uma lei geral” (TODOROV, 2014, p.320).
Um
mesmo símbolo pode fornecer resultados diferentes para cada indivíduo e são
essas soluções diversificadas, que geram conotações e interpretações que
constituem sujeitos distintos. “O símbolo produz um efeito e, somente através
dele, uma significação” (TODOROV, 2014, p.321).
Podemos
pressupor que o indivíduo, também é simbólico, pois ele tem dificuldades para
se identificar, nesse sentido, basta nos referirmos à frase filosófica
atribuída ao filósofo grego Sócrates “Conheça a Ti Mesmo”. A pessoa pode se
identificar com um nome, uma ideia, porém, sua resposta esconde a participação
de outras representações. “O objeto simbólico, ao mesmo tempo, é e não é
idêntico a si mesmo”. (TODOROV, 2014, p.323).
O
indivíduo enquanto objeto simbólico pode se qualificar com a mescla daquilo que
é, e a coisa que deseja ser, mesmo que seu ideal seja grandioso ou infinito.
Desse modo, ele pode não simplesmente se identificar, mas se sentir como parte
do eterno, ou seja, com qualidades idênticas por meio desta fusão.
Quanto ao
símbolo, ele se caracteriza pela fusão desses dois contrários que são o geral e
o particular, ou segundo a formulação preferida por Schelling, porque o símbolo
não apenas significa, mas é, ou seja, pela intransitividade do simbolizante. No
símbolo “o finito é ao mesmo tempo o infinito mesmo e não apenas o significa”
(TODOROV, 2014, p.330).
Nesta
situação ocorre a junção entre o sujeito, objeto em processo de construção e a
fase completa de sua escolha, isto é, ele se sustenta com algo que considera de
extrema relevância, a ponto de se sentir como parte integrante daquilo em que
acredita. “O símbolo é, (...) funde significante e significado” (TODOROV, 2014,
p.338).
O
procedimento de estruturação do indivíduo pela coisa que ele considera como
ideal, acontece de forma concomitante com sua ação presente. Todo ato,
incorpora um passo no sentido de um ideal imaginado. “Há no símbolo uma
simultaneidade entre o processo de produção e seu acabamento; o sentido só
existe no momento de seu surgimento (...) o símbolo é capaz de exprimir o indizível”
(TODOROV, 2014, p.340).
Para
exemplificar a atuação do símbolo no indivíduo, Todorov recorre a Creuzer[1],
que compara o símbolo ao “relâmpago que de uma só vez ilumina a noite escura”
(TODOROV, 2014, p.342). Essa espécie de faísca é interpretada também pelo
indivíduo como luz, imagem, concepção, inteligência, pensamento, entre outros.
Todorov
nos explica que o ato simbólico é quando o indivíduo se posiciona no mesmo
âmbito daquilo que ele julga também pertencer. Desse modo, a pessoa passa a ter
a mesma competência do objeto que lhe representa no momento presente.
Não é uma
relação de identidade, como acredita outros (nesse caso não mais haveria
simbolização), mas de pertença; o símbolo é o ser, no sentido de fazer parte
dele “Da pertença ao símbolo, tal como entendem os primitivos, a transição pode
ser imperceptível. Pois o símbolo, assim como a pertença, participa do ser ou
objeto que ele “representa”, e com isso mesmo garante a sua presença atual”
(TODOROV, 2014, p.378).
Quando
nomeamos um objeto pela sua aparência ou cor, por exemplo, chamamos a fruta
laranja pela sua tonalidade, e esta, passa a ser reconhecida pela sua
pigmentação. De modo semelhante, a simbolização de uma coisa qualquer, faz
associação com outra via sentido, isto é, significado que conecta presença,
indivíduo e finalidade.
Os
gregos definiam isso com a palavra “trópos”, espécie de curva ou desvio, que
facilitava a retórica, pois criava um jogo, cujo sentido da coisa não era
nítido e poderia também manifestar outros aspectos. E deste modo, similarmente,
Todorov nos afirma que “os símbolos têm parentesco com os tropos[2]”
(TODOROV, 2014, p.380).
Outra
figura de linguagem que podemos citar é a sinédoque[3],
palavra grega “synekdokhé”, que significa a compreensão de várias coisas ao
mesmo tempo. Tal artifício é empregado quando o indivíduo generaliza um
determinado conceito, ou seja, toma uma parte pelo todo.
Esses
recursos em que referimos acima estabelecem que os indivíduos façam construções
ou desenhos, simbolizando coisas que possam conectar diferentes objetos: pegada
(rastro) e homem, casa e habitante. Trata-se de uma relação que emprega a metonímia,
o indivíduo, troca uma palavra pela outra, devido às relações de contiguidade,
isto é, proximidade do vestígio com a coisa ou lugar.
Tal
desenho só tem sentido quando gravado em um objeto particular; é através da
relação metonímica de lugar que ele ganha sentido. O mesmo acontece com a
moradia que simboliza seu habitante, ou a pegada e o homem (TODOROV, 2014,
p.381).
A
relação de associação entre um nome e uma coisa faz com que o indivíduo
considere que tal realidade é parte da outra. Neste sentido, “todo ataque ao
nome (ou ao símbolo) – é um ataque ao ser – pois um faz parte do outro”
(TODOROV, 2014, p.382).
Nesta
perspectiva, temos também as representações e imitações, cujo indivíduo, coloca
em pratica aquilo que ele desejaria que acontecesse. Para isso ele evoca
palavras, faz gestos e se comporta de modo previsto, segundo sua vontade, isto
é, suas ações criam a realidade.
Do fato de
o simbolizante ser parte do simbolizado: representar ou dizer uma coisa já é
fazê-la existir. Assim, as predições se realizam não porque os adivinhos saibam
ler o futuro, mas porque essas palavras dão vida ao que designam (TODOROV,
2014, p.383)
De
acordo com acontecimentos inesperados, o indivíduo busca a todo instante certo
equilíbrio e ao se deparar com situações desconfortáveis, todo esforço é
concentrado no sentido que se estabeleça a igualdade com aquilo que o sujeito
reconhece como justiça. Todorov nos aponta esta conexão da seguinte forma “Eis-nos,
portanto, diante de uma nova relação, própria dos sistemas de símbolos;
poderíamos chamá-la de equivalenciação” (TODOROV, 2014, p.385).
O
indivíduo pode corporificar várias coisas a partir de uma frase que seja por
ele pronunciada ou que tenha presenciado. Neste caso, a sentença do tempo atual
simboliza todas as outras e as tornam presentes, mesmo que estejam ausentes.
Trata-se do termo de condensação de Freud, citado por Todorov:
A
condensação é a relação entre uma frase presente e uma ou várias frases
ausentes (que a primeira simboliza segundo este ou aquele processo) (...) é uma
relação entre duas ou mais unidades, todas presentes (TODOROV,2014, p.404).
Assim,
o indivíduo toma para ele via representação, palavras, frases, objetos e
coisas, que possam acrescentar nele o sentido da grandiosidade. Ele se constrói
como pertencente a um universo maior, criador de uma nova realidade, na qual, se
posiciona como aquele que é justo, revestido de valores ideais.
[1] Georg Friedrich Creuzer foi filólogo,
arqueólogo, orientalista e mitólogo alemão. Filho de um encadernador de livros,
estudou na Universidade de Jena indo em seguida para Leipzig onde deu aulas
particulares. https://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Friedrich_Creuzer Acesso em 22 de abril de 2017.
[2] Recurso expressivo em
que se associa o sentido de uma palavra a outra, à qual é dado um sentido diferente do literal (é o que
acontece, por exemplo, na comparação, metáfora ou metonímia). Do grego trópos, «volta; desvio», pelo latim
tropu-, «idem» https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/Tropos. Acesso em 03 de julho de 2017.
[3] Recurso
expressivo que se baseia numa relação de compreensão em que se designa o todo
pela parte ou a parte pelo todo, o plural pelo singular ou o singular pelo
plural, etc. (ex.: o homem por a espécie humana) Do grego synekdokhé,
«compreensão de várias coisas ao mesmo tempo», pelo latim synecdŏche-, «idem» https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/sin%C3%A9doque Acesso em 03 de julho de 2017.