Joaquim Luiz Nogueira
“Quando o defeito na
vista é corrigido, o Autor deste Universo pode ser visto”.
“O fato de os xamãs,
os feiticeiros e os curandeiros serem preferentemente recrutados entre os
neuropatas, ou entre os que apresentam equilíbrio nervoso instável, é devido ao
mesmo prestígio do insólito e do extraordinário”.
“E todos os que
tiverem deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos, por minha
causa, receberão cem vezes mais e herdarão a vida eterna”.
Gostaria de iniciar esse
tema com o diálogo de Alice com o Chapeleiro do filme Alice no País das Maravilhas:
“Você me acha louca?” Chapeleiro: “Louca, louquinha! Mas vou te contar um
segredo: as melhores pessoas são”. Quando decidimos falar ou escrever sobre
universos não visíveis, sabemos que há grandes possibilidades de sermos
chamados de loucos, mas temos consciência de que muitos líderes mundiais também
foram tidos como insanos em certos momentos.
Eliade, em seu livro
Tratado das Religiões, usou o termo
“Hierofanias” para falar sobre a existência de manifestações do sagrado. Assim,
ele explica que iria começar esse diálogo detalhando poderes como o mana, que
já mencionamos anteriormente, e que, a partir de hierofanias elementares
cósmicas, uranianas e biológicas, ele abordaria como o sagrado se constitui:
Por exemplo, o exame
das hierofanias aquáticas ou celestes prover-nos-á de um material documental
apto a levar-nos à compreensão; 1º do sentido exato da manifestação do sagrado
nestes níveis cósmicos (o céu e as águas); 2º da medida em que as hierofanias
uranianas ou aquáticas constituem estruturas autônomas, isto é, revelam uma
série de modalidades complementares e integráveis do sagrado. Passaremos em
seguida às hierofanias biológicas (os ritmos lunares, o sol, a vegetação e a
agricultura, a sexualidade etc...), depois às hierofanias tópicas (lugares consagrados,
templos etc...), e finalmente aos mitos e aos símbolos (ELIADE, 2010, p. 3).
O diálogo com
mundos não visíveis podem acontecer de diversas formas, mas podemos apontar que
a crença em forças misteriosas constituídas em objetos, indivíduos, almas e
espíritos, está associada a seres superiores. A manifestação de qualquer
elemento que possa ser interpretado como perturbador da mente logo se torna
indicador de algo estranho, que se traduz como um apelo diferente daquele que é
proporcionado pela força física do corpo.
Essa força que é sentida
diante da evocação de um amuleto ou de um morto configura-se na mente humana
como percepção daquilo que é eficaz, dinâmico, criativo e perfeito. Podemos
pressupor que tal sensação de poder (conhecidas em algumas culturas como mana)
acontece por intervenção de seres invisíveis:
Mas ainda: através de
uma análise cerrada apercebemo-nos de que um objeto, um fenômeno cósmico, um
ser qualquer, etc., possuem mana graças à intervenção de um espírito ou à
confusão com a epifania de um ser divino qualquer (ELIADE, 2010, p. 28).
O diálogo estabelecido entre
homens e objetos pode ocorrer de acordo com a relação mantida com seres
superiores, tidos esses como extraordinários, fortes ou importantes. Trata-se
de incorporações do sagrado, segundo Eliade (2010, p. 27): “Nenhum homem possui
essa força por si mesmo: tudo quanto faz, fá-lo à custa de seres pessoais,
espírito da natureza ou dos antepassados”.
O passo seguinte se dá pela
seleção de palavras, lugares e objetos que possam ser adquiridos, visitados ou
construídos para que favoreçam o diálogo constante com universos não visíveis.
Essa escolha é guiada por sentimentos de força, poder, eficácia, fertilidade,
novidade, entre outros.
Uma vez estabelecidas as
escolhas que se revelaram ao indivíduo como extraordinárias, elas passam a
preencher incompletudes humanas por meio de incorporações, e, assim,
manifestam-se em imagens, símbolos, objetos etc. Vejamos nas palavras de
Eliade:
Continua a ser algo
de diferente do meio circundante, continua a ser sagrado em virtude da
hierofania primordial que a escolheu, embora o valor que lhe foi atribuído mude
segundo a teoria religiosa em que esta hierofania vem se integrar (2010, p. 27).
Os universos não visíveis,
isto é, aquilo que acreditamos representam potencialidades eternas, essas,
então, contida no homem, cuja manifestação em cada indivíduo torna-se o fio que
se estabelece a comunicação por meio da natureza visível das formas e nomes.
A mente humana, ao evocar ou
experimentar o extraordinário, sendo esse último responsável pela vitalidade do
homem, alimento do desejo e desencadeador de ações, produz o mundo visível como
resposta da ação orientadora externa. E, para adquirir tal alento, o estado
mental do homem deve estar em acordo com aquilo que o mesmo venera, pois isso o
alimenta com sentimentos e emoções de qualidades semelhantes àquelas que
anseiam.
É necessário
se concentrar para ver no mundo a presença dos elementos que provocam entusiasmo em si mesmo e também te alimenta.
Vejamos como isso funciona segundo Sai Baba (2006, p. 26): “Quando você assumir
seu próprio progresso, obterá uma nova força a cada primeiro passo que der,
vibrará em alegria nova e mais pura; degustará a plenitude da felicidade”.
Dialogar com
universos não visíveis exige do homem posições que lhes possam transmitir
confiança em sua existência,ou seja, ter na consciência, a imagem e a certeza
daquilo que, mesmo sem ver, acredita que é algo diferente, e este, não se
encontra aprisionado no corpo, e logo, sentir-se em condições de poder se
declarar como pertencente a um universo além da forma física corpórea.
O fato de nos imaginarmos ou
identificarmos com instâncias ilimitadas permitem que experimentemos sensações
de infinitas dimensões de liberdade, cujas angústias do corpo se assemelham
apenas a gotas de água no oceano. As perguntas e as inquietações direcionadas à
vastidão são confortadas na grandeza desse universo não visível, reconhecido
pelo indivíduo como parte integrante de seu ser.
Estabelecer uma constante comunicação
com os elementos que nos ligam às grandezas extraordinárias e, ao mesmo tempo,
criar possíveis linguagens para interações com aquilo em que acreditamos é o
tema de nosso próximo capítulo.